Vivemos, há décadas, no Brasil, sob uma espiral crescente de violência urbana que ameaça sair completamente do controle – parcialmente, já saiu faz tempo. O pivetinho, que antes assaltava com um canivete nas mãos, tornou-se um marmanjo armado de fuzil, já que ninguém fez nada para impedi-lo.
As gangues cresceram e se tornaram quadrilhas internacionais com faturamentos bilionários, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), expandindo seus tentáculos para os três Poderes (executivo, legislativo e judiciário), nas três esferas (municipal, estadual e federal) por todo o país e mesmo o mundo.
Dentre a população civil, espanca-se e mata-se por tudo: por time de futebol, por fechada de trânsito, por preferência política, por um celular, por relacionamento amoroso ou mesmo dirigindo bêbado, drogado, em alta velocidade, descumprindo medidas de segurança no transporte de cargas e de pessoas.
A culpa é de quem?
Muita gente séria e capacitada atribui o problema à impunidade da Justiça e à falta de leis mais severas. Alguns acusam a “mãe de todos os males”: a falta de educação básica e fundamental. Outros, ainda, recorrem à história e culpam nossa “herança cultural”. Até um certo “determinismo” vira explicação.
O certo é que estabelecemos um ciclo interminável, uma espécie de conluio entre sociedade e Poder Público. Como eleitores fazemos péssimas escolhas, que culminam em péssimos governos e, ato contínuo, produzem péssimos resultados. E o que é pior: cada vez mais caros e ineficientes em todas as searas.
Já as autoridades públicas olham, em primeiro lugar, para os próprios bolsos, em segundo lugar, para o bolso dos amigos e em terceiro lugar, para o bolso da família. Quando sobra tempo, lembram que há um país e mais de 200 milhões de pessoas à deriva. Daí, pela baixa qualidade, fazem quase tudo errado.
Números vergonhosos
De onde menos se espera é de onde não sai nada mesmo. Não dá para, sucessivamente, com um ou outro “lapso”, eleger Collor, Dilma, Bolsonaro, Lula e depois esperar que o Brasil se torne a Suíça. Como não dá, igualmente, para subornar guardas, sonegar impostos, comprar políticos e querer algo melhor.
Temos cerca de 3% da população e respondemos por 10% das mortes violentas no mundo, segundo dados de 2021. Em 2023, foram 46 mil vítimas (taxa de 23 por 100 mil habitantes), que nos coloca na 18º posição global, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública – em números absolutos, somos o primeiro.
No mesmo sentido, a polícia brasileira é a que mais mata dentre os países do G-20, numa assustadora taxa de três vezes mais que 15 outras nações do grupo, somadas! Proporcionalmente, nossos policiais matam 36 vezes mais que a média das forças de segurança destes países, de acordo com o mesmo anuário.
Círculo vicioso
A recente onda de violência policial em São Paulo, estado com o melhor índice de segurança pública do Brasil, e o pavoroso caso de (mais um) assassinato no Rio de Janeiro pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), ao lado do decreto presidencial sobre uso da força por polícias, traz à tona – pela milésima vez – o assunto.
Muito irá se falar nos próximos dias – de forma quase sempre ideologizada e sem fundamento técnico – sobre tudo e todos. Acusações, defesas, proselitismos, mistificações, reducionismos e um monte de promessas e planos mirabolantes que jamais sairão, na prática, do papel e dos discursos populistas-eleitoreiros.
Primeiro porque o corporativismo irá imperar, como sempre imperou. Segundo porque nossos governantes são incapazes e incompetentes (coisas semelhantes, mas diferentes). E terceiro porque, como nação e povo, escolhemos ser violentos, criminosos, lenientes e cúmplices. Além disso, adoramos um déjà vu. Daqui a dez anos, estaremos falando disso tudo outra vez.
Fonte: O Antagonista/Ricardo Kertzman